quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Os 14 principios do Sistema Lean

7. OS 14 PRINCÍPIOS

A fim de combater as oito perdas (Muda) foram criadas várias ferramentas, elencadas em 14 princípios gerais[1].

7.1.       Basear as decisões administrativas em uma filosofia de longo prazo, mesmo que em detrimento de metas financeiras de curto prazo.

A redução de custos tem sido uma paixão desde que Taiichi Ohno criou o famoso Sistema Toyota de Produção no chão de fábrica. Contudo, a redução de custos não é o que movimenta a Toyota. Existe um sentido filosófico de propósito que sobrepuja qualquer tomada de decisão de curto prazo. Os executivos da Toyota compreendem seu lugar na história da empresa e trabalham para levá-la ao próximo nível. O sentido de propósito é como o de um organismo que funciona para crescer e desenvolver a si e a sua prole. Neste dias de ceticismo quanto à moral e à ética das autoridades corporativas e ao lugar das grandes corporações capitalistas na sociedade civilizada, a Toyota nos faz vislumbrar uma alternativa, oferece um exemplo do que ocorre quando dezenas de milhares de pessoas alinham-se em direção a um objetivo comum que vai além de ganhar dinheiro.

A Toyota sempre começa com a meta de gerar valor para o cliente, a sociedade e a economia. Esse princípio deve ser sempre o ponto de partida, não só para o trabalho de criação do produto/serviço, como também para todas as funções da empresa. Um importante subtexto para essa orientação da missão é que a Toyota se julga responsável. Todos os líderes devem ter responsabilidade. Isso remonta aos primórdios da indústria automotiva, quando Kiichiro Toyoda renunciou à empresa que havia fundado porque as condições econômicas forçaram-no a demitir muitos funcionários.

Essa forte orientação filosófica da missão define a Toyota desde seu início como uma empresa de manufatura, freqüentemente separando-a de suas concorrentes. É o alicerce para todos os outros princípios e o ingrediente que falta na maioria das empresas que competem com ela.

O planejamento é levado tão a sério na Toyota que, em 2007, o departamento de pesquisa e desenvolvimento da empresa já estava avaliando como devem ser os carros da montadora em 2030[2].

7.2.       Criar um fluxo de processo contínuo para trazer os problemas à tona.

“Fluxo” significa reduzir à zero, a quantidade de tempo que qualquer projeto de trabalho estiver desperdiçando a espera de alguém para realizá-lo. O redesenho de processos de trabalho para atingir o “fluxo” resulta em produtos ou projetos finalizados em um décimo do tempo estipulado. O fluxo é mais evidente no Sistema Toyota de Produção, mas também é visível na cultura organizacional da Toyota, focada no fluxo com valor agregado como alternativa à abordagem comum de parar/começar, trabalhando nos projetos um pouco de cada vez. Mas o objetivo do fluxo não é apenas fazer com que materiais ou informações se desloquem com rapidez. É ligar processos e pessoas de modo que os problemas apareçam imediatamente, o fluxo é central para um verdadeiro processo de melhoria contínua (o chamado Kaizen) e para o desenvolvimento das pessoas.

A tabela abaixo faz a comparação entre a quantidade de veículos que se produz na Toyota em relação aos outros países[3]. Observe que juntando os carros produzidos por dia nos EUA e na Suécia, ainda assim não produzem a mesma quantidade que na indústria japonesa e que a Alemanha precisa mais que o dobro dos funcionários da Toyota para produzir apenas 700 unidades a mais.

RELAÇÃO ENTRE FUNCIONÁRIO E UNIDADES PRODUZIDAS
EMPRESAS/PAÍSES
Nº EMPREGADOS
VEÍCULOS/DIA
TOYOTA
4.300
2.700
EUA
3.800
1.000
SUÉCIA
4.700
1.000
ALEMANHA
9.200
3.400
7.3.       Usar sistemas “puxados” para evitar a superprodução.

O estoque com base em demanda prevista, ou mesmo prometida, quase sempre, leva ao caos, a desavença e ao esgotamento dos próprios produtos que o cliente deseja. A Toyota encontrou uma abordagem melhor, moldada segundo o sistema de supermercados americanos. Estocar quantidades relativamente pequenas de cada produto e reabastecer as prateleiras com freqüência, baseando-se no que o cliente de fato consome. O sistema kanban quase sempre é visto como a assinatura do Sistema Toyota de Produção.

7.4.       Nivelar a carga de trabalho.

A única maneira de criar um fluxo contínuo é ter alguma estabilidade de carga de trabalho ou heijunka. Se a demanda da organização eleva-se e cai drasticamente, isso forçará a organização a adotar um modo reativo. As perdas naturalmente mostrarão sua face desagradável. A padronização será impossível. Altos e baixos são administrados através de mão-de-obra flexível proporcionada por empresas e fornecedores terceirizados.

7.5.       Construir uma cultura de parar e resolver problemas para obter a qualidade desejada logo na primeira tentativa.

Se algum dos operários encontra o mínimo defeito em uma peça ou no carro que está sendo montado, imediatamente puxa uma cordinha esticada ao lado da linha de produção para interromper o processo. Segundo a filosofia Toyota, é melhor parar a produção e consertar no ato um problema do que deixar a bomba estourar no final. Apesar dos cuidados, a empresa não está imune a reveses. No ano passado [2006], uma sucessão de recalls da montadora fez com que o presidente Watanabe pedisse desculpas publicamente pelo tropeço[4].

7.6.       Tarefas padronizadas são à base da melhoria contínua e da capacitação dos funcionários.

Não se pode prever o tempo e a produção de processos a menos que haja processos estáveis e passíveis de serem repetidos, esse é o fundamento para o fluxo contínuo e o sistema puxado. Mas a padronização muitas vezes é confundida com a rigidez e a repressão da criatividade. O que deve ocorrer é o contrário: padronizando-se as melhores práticas, capta-se a aprendizagem até aquele ponto, a tarefa de melhoria contínua seria, então, aprimorar esse padrão, e as melhorias seriam incorporadas em um novo padrão. Sem esse processo de padronização os indivíduos poderão fazer grandes progressos em sua própria abordagem de trabalho, mas ninguém aprenderá com eles, exceto através de discussões improvisadas. Quando um indivíduo sai daquela função, toda a aprendizagem se perde. Os padrões oferecem uma base para a verdadeira e contínua inovação (Kaizen).

7.7.       Usar controle visual para que nenhum problema fique oculto.

Nesses dias de informatização, o ideal é o escritório e a fábrica sem papel. Tudo é on-line. Contudo, se formos a qualquer planta de manufatura da Toyota, veremos kanban em papel circulando pela fábrica, quadros usados para a solução de problemas, gráficos e mapas em papel sendo atualizados diariamente pelas equipes de trabalho. Até mesmo nos depósitos de peças de serviços, com centenas de milhares de peças sendo movimentadas, há uma abundância de recursos visuais. Há sinais e etiquetas por toda parte na Toyota. Por quê? Porque as pessoas são criaturas visuais. Precisam ver o seu trabalho, olhar para a estante de peças e para o supermercado de peças e facilmente perceber se estão dentro de uma condição padrão ou em uma situação de desvio. Pessoas que olha para gráficos bem planejados colocados na parede podem realizar discussões bastante eficientes. Consultar a tela de um computador desloca o foco dos funcionários de seu trabalho para a tela. Robôs não se importam se a fábrica é visual, mas as pessoas, sim.

7.8.       Usar somente tecnologia confiável e plenamente testada que atenda a funcionário e processos.

O princípio fundamental é a adequação da tecnologia às pessoas e aos processos e não o contrário: fazer dos seres humanos escravos das máquinas.

Um caso interessante relatado por LINKE & MEIER ocorreu durante uma das freqüentes visitas de benchmarking que a Toyota promove. Nelas o visitante pode falar com funcionários, fazer perguntas específicas relativas ao STP e, algumas vezes, pode visitar o chão de fábrica e ver tudo o que quiser. Em uma delas, para alguns administradores das Três Grandes montadoras de automóveis dos EUA (GM, Ford e Chryslers) à planta de Georgetown, um dos visitantes comentou: “vejam, só. Não usamos essa tecnologia, no mínimo, há 15 anos!”. Porém, inadvertidamente, um dos visitantes passou pela célula de um robô e o fez parar. Ele nem se deu conta que isso tinha acontecido, e um líder de equipe foi até lá e reiniciou o robô em menos de um minuto, antes que ocorresse alguma perda de produção. O guia comentou o incidente com o administrador e perguntou-lhe quanto tempo levaria para reiniciar um robô ou linha em sua planta se eles tivessem parado. Sua resposta foi: “talvez 10 ou 15 minutos!” [5]

7.9.       Desenvolver pessoas e equipes excepcionais que sigam a filosofia da empresa.

Os líderes da Toyota adoram dizer: “nós não construímos apenas carros, nós construímos pessoas” [6], o que demonstra o profundo respeito que se tem pela humanidade.

7.10.   Desenvolver líderes que compreendam completamente o trabalho, vivam a filosofia e a ensinem aos outros.

O presidente da planta da Toyota em Georgetown (EUA) calcula que sejam necessários 10 anos para treinar um novo gerente vindo de fora até o ponto em que possa ser confiável e autônomo[7]. Seria necessário um investimento de três anos para desenvolver um engenheiro de primeira linha que possa realizar o trabalho básico que a Toyota espera[8]. Por isso, é muito mais produtivo, desenvolver líderes.

Os administradores são tidos como representantes do Modelo Toyota. Mais do que qualquer outra pessoa, devem exemplificar a filosofia em tudo o que fazem: nas decisões que tomam e em como chegam a elas. Devem ser professores do Modelo Toyota. Também devem compreender em grande nível de detalhamento todo o processo.

Para que todos saibam exatamente qual é seu papel na engrenagem, os recém-contratados passam por um treinamento de cinco meses antes de assumir seu posto: 30 dias dedicados à cultura Toyota, dois meses numa fábrica, para ver de perto como os carros são produzidos, e o restante dentro de uma concessionária, porque é preciso saber o que quer o consumidor[9].

 Na matriz, os funcionários têm emprego vitalício, a alta cúpula trabalha com um conceito muito particular do que seja meritocracia – para galgar posições na hierarquia, é preciso ter não apenas talento, mas também idade (mais de 50 anos, no caso dos vice-presidentes, e perto de 60 para assumir a presidência) [10].

Os líderes devem dá exemplos a serem seguidos. Foi o que ocorreu, por exemplo, em 1948, quando o presidente e fundador da Toyota Motor Company, Kiichiro Toyoda, se demitiu. A economia japonesa estava em péssimas condições e a dívida da Toyota era oito vezes o valor de seu capital. Kiichiro tentou resolver o problema com concessões de salário voluntário, mas concluiu que precisava demitir 1600 trabalhadores para manter a empresa em operação. Fez isso de uma maneira incomum. Ele pessoalmente assumiu a responsabilidade e demitiu-se primeiro. Assim, conseguiu que 1600 trabalhadores “se aposentassem” [11].

Isso gera um nível de fidelidade enorme. Um bom exemplo foi o que aconteceu em janeiro desse ano: cerca de 2.200 gerentes da Toyota comprarão carros da companhia em um esforço voluntário para ajudar a companhia a minimizar a deterioração do lucro[12].

7.11.   Respeitar sua rede de parceiros e de fornecedores, desafiando-os e ajudando-os a melhorar.

Um parceiro é tido como a extensão da Toyota. Parte da contribuição para a sociedade está em apoiar os parceiros de forma que eles se tornem melhores por trabalharem com a Toyota. Isso faz parte do “respeito pela humanidade”.

Esse tipo de atitude gera um crescimento positivo para ambos e um fortalecimento dos laços de fidelidade entre empresa e seus fornecedores. Um bom exemplo ocorreu há alguns anos, quando a planta que produzia válvulas P (um componente importante do sistema de freios) para a Toyota incendiou e esse era o único fornecedor. O estoque da Toyota era suficiente apenas para três dias. Então, por conta própria, sem que tivessem sido solicitados, sessenta e três empresas diferentes e suas afiliadas começaram a fabricar as tais válvulas pra ajudar a Toyota[13].

7.12.   Ver por si mesmo para compreender completamente a situação.

Você não pode resolver problemas a menos que compreenda totalmente a situação real – o que significa ir à fonte, observar e analisar em profundidade o que está acontecendo, é o que em japonês se chama de genchi genbutsu. Resumos e relatórios não são o suficiente para dá uma compreensão profunda dos assuntos, é necessário uma verificação pessoal da informação.

7.13.   Tomar decisões lentamente por consenso, considerando completamente todas as opções; implementá-las com rapidez.

A maioria das decisões é tomada pelos trinta principais executivos da companhia, o que, embora, seja um processo mais lento, minimiza riscos e evita rachas internos. Tornou-se quase que um mantra do Sistema Toyota a frase: “mais parecido com a tartaruga do que com a lebre”, pois a tartaruga se arrasta lenta e determinada, enquanto a lebre corre a toda velocidade, perde o fôlego e tira uma soneca[14]: é melhor ser constante. Um exemplo, dessa lentidão em tomar decisões, foi o caso do modelo híbrido Prius, o mais revolucionário dos veículos da Toyota, que demorou quase 50 meses para ser idealizado e atingir o nível de desempenho exigido pelos engenheiros da empresa[15].

7.14.   Tornar-se uma organização de aprendizagem pela reflexão incansável e pela melhoria contínua.

“Construir uma comunidade de aprendizagem significa ter indivíduos com capacidade de aprender. Esse é o ponto de partida básico. Além disso, comunidade sugere participação, e os indivíduos não podem participar se são mão-de-obra de curto prazo a ser demitida assim que alguma dificuldade econômica aparecer. Pertencer a uma comunidade sugere reciprocidade: um compromisso do indivíduo com a comunidade e um compromisso da comunidade com o indivíduo” [16].


[1] LINKER, Jeffrey K. & MEIER, David. O Modelo Toyota – manual de aplicação. Porto Alegre: Bookman, 2007 pp. 29-34.
[2] CORREA, Cristiane. Revista EXAME (03 de maio de 2007). Por dentro da maior montadora do mundo. Disponível em: <http://portalexame.abril.com.br/revista/exame/edicoes/0892/negocios/m0128084.html>
 (acesso dia: 12 de setembro de 2009)
[3] Adaptada de: SATO CONSULTORIA DE PESSOAL. Kanban – Just in Time Disponível em: <http://www.sato.adm.br/rh/kan_ban.htm> (acesso: 9 de setembro de 2002)
[4] CORREA, Cristiane. Revista EXAME (03 de maio de 2007). Por dentro da maior montadora do mundo. Disponível em: <http://portalexame.abril.com.br/revista/exame/edicoes/0892/negocios/m0128084.html>
 (acesso dia: 12 de setembro de 2009)
[5] LINKER, Jeffrey K. & MEIER, David. O Modelo Toyota – manual de aplicação. Porto Alegre: Bookman, 2007 p. 192
[6] Idem, p. 229
[7] Idem, p. 32
[8] Idem, p. 41
[9] CORREA, Cristiane. Revista EXAME (03 de maio de 2007). Por dentro da maior montadora do mundo. Disponível em: <http://portalexame.abril.com.br/revista/exame/edicoes/0892/negocios/m0128084.html>
 (acesso dia: 12 de setembro de 2009)
[10] Idem.
[11] LINKER, Jeffrey K. & MEIER, David. O Modelo Toyota – manual de aplicação. Porto Alegre: Bookman, 2007 p. 45.
[12] NISHITANI, Yumiko. Revista Exame (14 de Janeiro de 2009). Gerentes da Toyota comprarão carros para ajudar empresa. Disponível em: <http://portalexame.abril.com.br/agencias/reuters/reuters-negocios/detail/gerentes-toyota-comprarao-carros-ajudar-empresa-236902.shtml> (acesso: 12 de setembro de 2009)
[13] LINKER, Jeffrey K. & MEIER, David. O Modelo Toyota – manual de aplicação. Porto Alegre: Bookman, 2007 p. 41.
[14] Idem, p. 146.
[15] CORREA, Cristiane. Revista EXAME (03 de maio de 2007). Por dentro da maior montadora do mundo. Disponível em: <http://portalexame.abril.com.br/revista/exame/edicoes/0892/negocios/m0128084.html>
 (acesso dia: 12 de setembro de 2009)
[16] LINKER, Jeffrey K. & MEIER, David. O Modelo Toyota – manual de aplicação. Porto Alegre: Bookman, 2007 p. 41.

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