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sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Analisando Diabo veste Prada e Tempos Modernos - parte 1


Relações Humanas no Trabalho

EQUIPE

Carlos Alexandre Costa
César Chaves
Gleidson Max Honório
Joana Darc de Moura
Pierre Dantas de Queiroz
Raimundo Gomes da Silva
Regiane da Costa Silva
Serdelina Glecia Nicolete
Sérgio Gleiston Nicolete
Zulene Batista de Oliveira

Contextualize as relações humanas no trabalho, apresentadas nos filmes: “Tempos Modernos” (1936) e “O Diabo Veste Prada” (2006), através de suas percepções quanto:
·         Planejamento
·         Aprendizagem
·         Medos
·         Dificuldades
·         Solidariedade
·         Frustração pessoal
·         Conquistas
·         Comprometimento
·         Competitividade
·         Inveja
·         Cenário econômico
·         E/ou outros que você tenha identificado.



ANÁLISES COMPARATIVAS
CENÁRIOS ECONÔMICOS
“Tempos Modernos” é um filme escrito, dirigido e interpretado por Charles Chaplin, em 1936: “uma história sobre a indústria, a iniciativa privada e a humanidade em busca da felicidade”, apresa-se em dizer logo no início. Seu personagem principal, Carlitos (conhecido na história do cinema como “O Vagabundo”), interpretado por Chaplin, tenta sobreviver ao mundo industrializado. Seria sua última aparição. O mundo no qual o Vagabundo deixou diferia muito daquele no qual nascera, há vinte anos, às vésperas da 1ª Guerra Mundial, enfrentava agora as dificuldades posteriores à Grande Depressão, quando o desemprego maciço coincidiu com o desenvolvimento da automatização. “Os Estados Unidos representavam, em 1929, 45% da produção industrial mundial”[1]. Para alguns estudiosos, o motivo da Crise teria sido o fato de o mercado não ter conseguido acompanhar o ritmo da produção industrial, gerando acumulação de estoque[2], outros acreditam que o problema se deu devido “a uma política monetária catastroficamente mal planejada pela Reserva Monetária dos Estados Unidos da América, nos anos que precederam a Grande Depressão”[3].
O fato é que as conseqüências foram terríveis. Entre 1931 e 1933, quase nove mil bancos americanos faliram. A produção industrial caiu 50%, registrou-se 110 mil falências comerciais. O desemprego passou de 1,5 para 13 milhões de pessoas, jamais descendo a menos de 7 milhões até 1940, o que equivalia a 25% da força de trabalho. Os salários caíram 60%. Uma onda de pobreza varreu os Estados Unidos. Houve um brutal aumento das favelas em torno dos centros industriais; a maior parte dos trabalhadores só encontrava trabalhos de meio expediente; e houve a generalização da subalimentação e da agitação social[4].
Diante de tal realidade o governo presidido por H. Hoover, a quem os trabalhadores apelidaram de "presidente da fome", procurou auxiliar as grandes empresas capitalistas, representadas por industriais e banqueiros, nada fazendo contudo, para reduzir o grau de miséria das camadas populares. A luta de classes se radicalizou, crescendo a consciência política e organização do operariado, onde o Partido Comunista, apesar de pequeno, conseguiu mobilizar importantes setores da classe trabalhadora”[5].
“Chaplin foi muito sensível aos problemas sócio-econômicos dessa nova era. Em 1921, havia se despedido de Hollywood para iniciar uma turnê mundial de 18. Na Europa, alertaram-no ao nacionalismo e aos efeitos da Grande Depressão, do desemprego e da automatização. Leu livros de teoria econômica e elaborou sua própria solução econômica, um exercício inteligente, cheio de idealismo utópico, baseado numa repartição ativa mais equitativa das riquezas e também do trabalho”[6].
“No dia 05 de fevereiro de 1936, no Rivoli Theatre, de Nova Iorque, Tempos Modernos teve sua estréia. A obra custou um milhão e meio de dólares, mesmo com todo este capital envolvido, o filme foi recebido friamente pela crítica norte-americana que entendeu a obra como comunista, foi proibida sua exibição na Itália e na Alemanha, no entanto alcançou grande sucesso na Inglaterra, na França e na União Soviética”[7].
O filme chegou a ser tido como um “tratado de Sociologia”[8], pois critica a questão do trato dos seres humanos como máquinas, a pressão do capital sobre o trabalhador, cada vez maior representada pelo patrão onipresente, que através de um telão controla a todos e sempre pede mais produção; o capital que tenta transformar homens em máquinas, inclusive tentando inventar engenhocas para que o trabalhador não precise parar, nem mesmo para comer; repressão da polícia; a problemática da violência entre outros.
Já o cenário de “O Diabo Veste Prada” é atual: resultado de um Terceira Revolução Industrial, caracterizada pelo emprego, em larga escala, do binômio informática/robótica, que implicou a difusão da automação dos processos produtivos[9].
Aqui não se trata de uma fábrica, mas de uma revista de moda, a Runway, conceituadíssima. “Saiba que você está trabalhando onde lançaram alguns dos maiores artistas do século e o que criaram foi muito mais do que arte porque se vive para isso. Acha que isso aqui é apenas uma revista? Não, não é só uma revista. É um facho brilhante de esperança!”, diz Nigel, um dos produtores, para Andréia Sachs, a protagonista da história.
Esse mercado mobiliza milhões. Representa um passo adiante na história do Capitalismo: “a expansão do setor terciário, com sua enorme capacidade de induzir a novas necessidades econômicas”[10].
O contexto é de acirrada concorrência e competitividade. Andréia possui o emprego de assistente da famosa editora-chefe, Miranda Priestly, cargo pelo o qual “milhões de garotas se matariam”.
O filme é apresenta uma crítica ao comportamento competitivo, à ética, às relações no trabalho e a priorização do trabalho em detrimento da vida pessoal.


[1] BARRO, Cyro de. São Paulo: Contexto, 2001 p. 208.
[2] Idem, p. 204.
[3] Extraído do site: http://pt.wikipedia.org/wiki/Grande_Depress%C3%A3o (acesso dia 28/07/2009)
[4] BARRO, Cyro de. São Paulo: Contexto, 2001 pp. 209-210.
[5] Extraído do site:  http://www.historianet.com.br/conteudo/default.aspx?codigo=181(acesso dia 28/07/2009)
[6] De acordo com o documentário, de Philippe Truffault, “Chaplin Today – Tempos Modernos” (Warner Bros, 2009).
[7] Extraído do site: http://www.coladaweb.com/hisgeral/tempos_modernos.htm (acesso dia 28/07/2009)
[9] BARRO, Cyro de. São Paulo: Contexto, 2001 p. 302.
[10] Idem, p. 304.

Analisando Diabo veste Prada e Tempos Modernos

A PROBLEMÁTICA DO TEMPO
A cena inicial do filme “Tempos Modernos”, de Chaplin, mostra um relógio, marcando, aproximadamente, seis da manhã como o início da jornada de trabalho. Com efeito, durante a Revolução industrial, principalmente, em sua segunda fase, o relógio tem se tornado o símbolo do capitalismo: “tempo é dinheiro”, diz o ditado popular representando bem essa mentalidade. Donde vem as longas jornadas de trabalho que marcaram esse período inicial. O cientista social, Leo Huberman, em seu livro clássico, “História da Riqueza do Homem”, escreveu que “os dias de trabalho eram longos, de 16 horas. Quando conquistaram o direito de trabalhar em dois turnos de 12 horas, os trabalhadores tal motivação uma bênção”[1], demoraria muito ainda para se chegar a jornada atual.
Qual era a jornada de Carlitos na fábrica? Ao que parece, ele entrava no trabalho às 6 da manhã e encerrava o expediente ao fim da tarde: provavelmente, às 18 horas – como já era comum em 1936.
Quando Chaplin vai trabalhar na loja de departamentos, pode-se observar que o expediente da loja se inicia às nove e trinta, indicando que a jornada no comércio era mais generosa que na indústria.
Comparado com o filme “O Diabo Veste Prada”, a situação de Andy não era muito distante, talvez, até possa ser considerada pior, embora haja 70 anos de diferença entre o contexto histórico de um filme para o outro. Logo em seu primeiro dia, o telefone toca, o despertador marca 6:15 da manhã e todos já estavam a sua espera na Runway. Em um segundo momento, quando ela foi incumbida de deixar o livro na casa de sua chefe, teve que esperar na empresa até às 22h, 22:30h e, em seguida, entregá-lo na casa dela, o que resultaria em mais de 16h de serviço – muito mais que nos piores tempos da Revolução Industrial! Não se deve esquecer também que a qualquer momento Miranda podia solicitar os serviços de Andy pelo celular.
TEMPO X PRODUTIVIDADE
Tempo e produtividade estão estreitamente relacionados no longa-metragem chapliniano: o chefe exige por três vezes o aumento da velocidade das esteiras a fim de aumentar a produção. Carlitos satiriza: nesse ritmo frenético, não há tempo para distrações, nem para se coçar, nem para brigas! A esteira é tão rápida que se um operário se atrasar, todos são prejudicados. Isso nos faz lembrar a idéia da empresa concebida como um organismo vivo: todos devem exercer bem suas funções para que a organização como um todo esteja bem. Em outra cena, quando Carlitos trabalha como assistente do mecânico para concertar a máquina parada, ele acaba por achatar o relógio na prensa, como se quisesse indicar que o tempo nas fábricas é cada vez mais comprimido, apertado, achatado, curto: deve-se produzir mais em menos tempo.
Em “O Diabo Veste Prada”, nota-se que também há uma relação entre o tempo e a produtividade na execução das tarefas: as secretárias são impedidas de deixar o escritório, inclusive para ir ao banheiro, até que uma possa substituir a outra; exige-se dedicação total e tempo integral dos subordinados; a pausa para o almoço de Andy é apenas de quinze minutos – podendo ser cancelado à vontade da chefa (Miranda está sempre quinze minutos adiantada e quer que todos acompanhem seu ritmo).
Comentando acerca do almoço, o filme de Chaplin demonstra a concepção de que é necessário reduzir o tempo improdutivo que se perde com essas pausas. A técnica de revezamento tinha esse intuito: cada vez que um funcionário se ausentava outro tinha que substituí-lo.
A “auto-alimentadora Bellows” também representa essa idéia. Assim era o anúncio da máquina:
“Elimine a pausa do almoço e ultrapasse a concorrência. A auto-alimentadora Bellows elimina a pausa do almoço, aumenta a produção e reduz os custos gerais (...) para está a frente da concorrência a auto-alimentadora Bellows é imprescindível”.
Era o sonho de todo empresário da época: produzir mais por menos. Parece não haver preocupação alguma com a fadiga do funcionário (o mesmo pode ser dito sobre “O Diabo Veste Prada”). Huberman aponta duas razões para isso; uma de cunho tecnológico: “o proprietário inteligente sabia que arrancar tudo da máquina, o mais depressa possível era essencial porque, com as novas invenções, elas podiam tornar-se logo obsoletas”[2]; e outra relacionado ao investimento: “as máquinas representavam um investimento, e os homens não, preocupava-se mais com o bem-estar das primeiras”[3]. O incidente com a “auto-alimentadora” ilustra esse ponto: quando ela começou a dar defeito, preocupou-se antes com ela que com Carlitos.
Contudo, o psicólogo Pierre Weil referindo-se a relação existente entre tempo e produtividade escreveu que “certas experiências mostraram que diminuindo o número de horas de serviço se conseguiu aumentar o rendimento; a regra inversa também é verdadeira”, com isso, ele afirma que “é possível produzir mais trabalhando menos”[4], bem diferente da concepção proposta tanto em “Tempos Modernos” como em “O Diabo Veste Prada”. Interessante observar que Taylon já havia falado sobre isso naquele tempo.
HOMEM X MÁQUINAS
“Tempos Modernos”, diz um dos principais estudiosos da obra chapliniana, “deve antes ser considerado uma transposição desse conflito do homem com as coisas por ele criadas”[5]. De fato, a cena clássica em que Carlitos entra na máquina simboliza as idéias vigentes à moda de Taylon: “o homem como um apêndice da máquina”, “uma engrenagem dentro da engrenagem”. Também o episódio anterior em que ele come as porcas da auto-alimentadora pode significar o quanto o trabalhador era obrigado a assimilar o maquinário, tornar-se “um com ela”. E ainda temos o momento no qual o mecânico encontra-se preso às engrenagens: uma possível crítica ao fato de que, embora a tecnologia tenha aumentado a capacidade de produzir, o ser humano encontra-se aprisionado em suas potencialidades intelectivas, emocionais, criativas etc.
Não pensemos, contudo, que Charles Chaplin fosse totalmente contra à tecnologia e às máquinas, em uma entrevista datada de 1931, chegou a declarar: “o desemprego é a questão vital. O maquinismo deve ajudar o homem. Não deve provocar tragédias, nem suprir seus empregos”[6]. Hoje, na Era dos Computadores, Pierre Weil acrescenta: “quanto à informática, podemos observar a sua influência tanto positiva como negativa nas relações humanas, pois, se, de um lado, ela aumentou muito as relações entre os povos, através da formação de redes de intercomunicações – pode-se até namorar e casar via Internet – o uso individual de computadores tende a isolar as pessoas uma das outras, tanto no trabalho como na família”[7]. E ainda: “por muito tempo acreditou-se, no início do último século, que o maquinismo e a economia resolveriam o problema da produtividade. A experiência mostrou que isso não é verdade. A multiplicação dos acidentes de trabalho, o aparecimento de doenças profissionais [que já existia na época de Carlitos!], os fracassos de indivíduos inaptos, os problemas de relações humanas (atritos, rivalidades, ciúmes, incapacidade de dirigir) levaram empreendimentos promissores a fracassos totais. Além disso, por conseqüência da divisão do trabalho, o ser humano já não sente mais a mesma razão de trabalhar que antigamente [suponhamos que o autor se refira à época das manufaturas] era a satisfação de admirar obras criadas pelas próprias mãos. O estímulo de outrora não pode mais ser o estímulo de hoje em dia; diante da monotonia do trabalha sem objetivo aparente, o homem está se tornando cada vez mais peça de engrenagem, autômato, escravo”[8] (os comentários entre colchetes são nossos). Perceba o quanto Chaplin é visionário nesse sentido e o quanto as questões levantadas pelo cineasta são atuais.
A QUESTÃO DO SER HUMANO
Acerca da concepção de ser humano em “Tempos Modernos”, há muito que se comentar.
A segunda cena do filme, logo após o relógio, mostra-se um rebanho de ovelhas, sendo conduzidas ao abatedouro; em seguida, um grupo de pessoas indo ao trabalho nas fábricas.
Há muitas questões aqui.
A primeira delas é que a ovelha era o símbolo da Primeira Revolução Industrial ou Inglesa, centrada na indústria têxtil. No filme, essa imagem é sucedida pela dos operários indo à fábrica para iniciar a jornada de trabalho: isso pode representar as mudanças ocorridas entre a Primeira e a Segunda Revolução industrial. O professor de História Econômica da USP, Cyro de Barros, assim as enumera (os comentários entre colchetes são nossos): “dos produtos dominantes durante a Revolução Industrial Inglesa, apenas a estrada de ferro continuou recebendo um notável impulso, ampliando continuamente. O ferro deixou de ser um produto industrializado, para se transformar em matéria-prima para o aço [e justamente, no filme de Chaplin, trata-se de uma produtora de aço, a “Electro Steel Corp”]. O vapor de água foi substituído pela eletricidade e pelo petróleo, como fonte de energia. A indústria química permitiu a crescente independência industrial das matérias-primas naturais. A fábrica conheceu seu apogeu com a introdução da linha de produção [como Chaplin bem representa na esteira]. O capital concentrou-se em escala jamais imaginada. A ciência tornou-se matéria auxiliar da técnica [o maquinário, as câmaras filmadoras, a “auto-alimentadora Bellows” ilustram isso]. E a administração dos negócios adquiriu um caráter científico”[9][com Taylon e Fayol].
A analogia entre operários e ovelhas sugere a negação do estatuto de pessoa, “a sociedade trata o ser humano como animais”[10], ou seja, como irracionais que devem ser “adestrado”, “domesticado”, “treinado” para obter o máximo de eficiência no menor tempo possível. Isso implica na limitação do pensamento, das ações, da criatividade, da reflexão, da voz...
Exatamente criticando essa postura, Mathew Kelly escreveu: “toda empresa inventa um nome para os funcionários: associados, membros da tripulação, parceiros, parte do elenco. Aqui os chamamos de membros da equipe. Em outros lugares são chamados apenas de empregados. O principal é que já não nos lembramos de que, acima de tudo, eles são seres humanos”[11]. Mais do que um elemento do passado remoto, essa atitude ainda está presente em muito dos nossos relacionamentos, quer no ambiente de trabalho quer na vida pessoal: às vezes, esquece-se de que o outro é um outro “eu” e, simplesmente, instrumentaliza-se as relações.


[1] HUBERMAN, Leo. História da Riqueza do Homem. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos S.A., 1986 (21ª Ed.) p. 163.
[2] Ibidem.
[3] Idem, p. 164.
[4] WEIL, Pierre & TOMPAKOW, Roland. Relações Humanas na Família e no Trabalho. Rio de Janeiro: Vozes, 2005 (53ª Ed.) p. 29.
[5] BAZIN, André. Charlie Chaplin. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1972 p.26.
[6] De acordo com o documentário, de Philippe Truffault, “Chaplin Today – Tempos Modernos” (Warner Bros, 2009).
[7] WEIL, Pierre & TOMPAKOW, Roland. Relações Humanas na Família e no Trabalho. Rio de Janeiro: Vozes, 2005 (53ª Ed.) p. 9 – prefácio à 53ª edição.
[8] Idem, p. 22.
[9] BARRO, Cyro de. São Paulo: Contexto, 2001 p. 145.
[10] Tempos Modernos – um tratado de Sociologia. Extraído do site: http://pt.shvoong.com/social-sciences/sociology/795932-tempos-modernos-um-tratado-sociologia/ (acesso dia 28/07/2009)
[11] KELLY, Mathew. O Administrador de Sonhos. Rio de Janeiro: Sextante, 2008 p. 36.

Analisando Diabo veste Prada e Tempos Modernos - parte 2


A PROBLEMÁTICA DO TEMPO
A cena inicial do filme “Tempos Modernos”, de Chaplin, mostra um relógio, marcando, aproximadamente, seis da manhã como o início da jornada de trabalho. Com efeito, durante a Revolução industrial, principalmente, em sua segunda fase, o relógio tem se tornado o símbolo do capitalismo: “tempo é dinheiro”, diz o ditado popular representando bem essa mentalidade. Donde vem as longas jornadas de trabalho que marcaram esse período inicial. O cientista social, Leo Huberman, em seu livro clássico, “História da Riqueza do Homem”, escreveu que “os dias de trabalho eram longos, de 16 horas. Quando conquistaram o direito de trabalhar em dois turnos de 12 horas, os trabalhadores tal motivação uma bênção”[1], demoraria muito ainda para se chegar a jornada atual.
Qual era a jornada de Carlitos na fábrica? Ao que parece, ele entrava no trabalho às 6 da manhã e encerrava o expediente ao fim da tarde: provavelmente, às 18 horas – como já era comum em 1936.
Quando Chaplin vai trabalhar na loja de departamentos, pode-se observar que o expediente da loja se inicia às nove e trinta, indicando que a jornada no comércio era mais generosa que na indústria.
Comparado com o filme “O Diabo Veste Prada”, a situação de Andy não era muito distante, talvez, até possa ser considerada pior, embora haja 70 anos de diferença entre o contexto histórico de um filme para o outro. Logo em seu primeiro dia, o telefone toca, o despertador marca 6:15 da manhã e todos já estavam a sua espera na Runway. Em um segundo momento, quando ela foi incumbida de deixar o livro na casa de sua chefe, teve que esperar na empresa até às 22h, 22:30h e, em seguida, entregá-lo na casa dela, o que resultaria em mais de 16h de serviço – muito mais que nos piores tempos da Revolução Industrial! Não se deve esquecer também que a qualquer momento Miranda podia solicitar os serviços de Andy pelo celular.
TEMPO X PRODUTIVIDADE
Tempo e produtividade estão estreitamente relacionados no longa-metragem chapliniano: o chefe exige por três vezes o aumento da velocidade das esteiras a fim de aumentar a produção. Carlitos satiriza: nesse ritmo frenético, não há tempo para distrações, nem para se coçar, nem para brigas! A esteira é tão rápida que se um operário se atrasar, todos são prejudicados. Isso nos faz lembrar a idéia da empresa concebida como um organismo vivo: todos devem exercer bem suas funções para que a organização como um todo esteja bem. Em outra cena, quando Carlitos trabalha como assistente do mecânico para concertar a máquina parada, ele acaba por achatar o relógio na prensa, como se quisesse indicar que o tempo nas fábricas é cada vez mais comprimido, apertado, achatado, curto: deve-se produzir mais em menos tempo.
Em “O Diabo Veste Prada”, nota-se que também há uma relação entre o tempo e a produtividade na execução das tarefas: as secretárias são impedidas de deixar o escritório, inclusive para ir ao banheiro, até que uma possa substituir a outra; exige-se dedicação total e tempo integral dos subordinados; a pausa para o almoço de Andy é apenas de quinze minutos – podendo ser cancelado à vontade da chefa (Miranda está sempre quinze minutos adiantada e quer que todos acompanhem seu ritmo).
Comentando acerca do almoço, o filme de Chaplin demonstra a concepção de que é necessário reduzir o tempo improdutivo que se perde com essas pausas. A técnica de revezamento tinha esse intuito: cada vez que um funcionário se ausentava outro tinha que substituí-lo.
A “auto-alimentadora Bellows” também representa essa idéia. Assim era o anúncio da máquina:
“Elimine a pausa do almoço e ultrapasse a concorrência. A auto-alimentadora Bellows elimina a pausa do almoço, aumenta a produção e reduz os custos gerais (...) para está a frente da concorrência a auto-alimentadora Bellows é imprescindível”.
Era o sonho de todo empresário da época: produzir mais por menos. Parece não haver preocupação alguma com a fadiga do funcionário (o mesmo pode ser dito sobre “O Diabo Veste Prada”). Huberman aponta duas razões para isso; uma de cunho tecnológico: “o proprietário inteligente sabia que arrancar tudo da máquina, o mais depressa possível era essencial porque, com as novas invenções, elas podiam tornar-se logo obsoletas”[2]; e outra relacionado ao investimento: “as máquinas representavam um investimento, e os homens não, preocupava-se mais com o bem-estar das primeiras”[3]. O incidente com a “auto-alimentadora” ilustra esse ponto: quando ela começou a dar defeito, preocupou-se antes com ela que com Carlitos.
Contudo, o psicólogo Pierre Weil referindo-se a relação existente entre tempo e produtividade escreveu que “certas experiências mostraram que diminuindo o número de horas de serviço se conseguiu aumentar o rendimento; a regra inversa também é verdadeira”, com isso, ele afirma que “é possível produzir mais trabalhando menos”[4], bem diferente da concepção proposta tanto em “Tempos Modernos” como em “O Diabo Veste Prada”. Interessante observar que Taylon já havia falado sobre isso naquele tempo.
HOMEM X MÁQUINAS
“Tempos Modernos”, diz um dos principais estudiosos da obra chapliniana, “deve antes ser considerado uma transposição desse conflito do homem com as coisas por ele criadas”[5]. De fato, a cena clássica em que Carlitos entra na máquina simboliza as idéias vigentes à moda de Taylon: “o homem como um apêndice da máquina”, “uma engrenagem dentro da engrenagem”. Também o episódio anterior em que ele come as porcas da auto-alimentadora pode significar o quanto o trabalhador era obrigado a assimilar o maquinário, tornar-se “um com ela”. E ainda temos o momento no qual o mecânico encontra-se preso às engrenagens: uma possível crítica ao fato de que, embora a tecnologia tenha aumentado a capacidade de produzir, o ser humano encontra-se aprisionado em suas potencialidades intelectivas, emocionais, criativas etc.
Não pensemos, contudo, que Charles Chaplin fosse totalmente contra à tecnologia e às máquinas, em uma entrevista datada de 1931, chegou a declarar: “o desemprego é a questão vital. O maquinismo deve ajudar o homem. Não deve provocar tragédias, nem suprir seus empregos”[6]. Hoje, na Era dos Computadores, Pierre Weil acrescenta: “quanto à informática, podemos observar a sua influência tanto positiva como negativa nas relações humanas, pois, se, de um lado, ela aumentou muito as relações entre os povos, através da formação de redes de intercomunicações – pode-se até namorar e casar via Internet – o uso individual de computadores tende a isolar as pessoas uma das outras, tanto no trabalho como na família”[7]. E ainda: “por muito tempo acreditou-se, no início do último século, que o maquinismo e a economia resolveriam o problema da produtividade. A experiência mostrou que isso não é verdade. A multiplicação dos acidentes de trabalho, o aparecimento de doenças profissionais [que já existia na época de Carlitos!], os fracassos de indivíduos inaptos, os problemas de relações humanas (atritos, rivalidades, ciúmes, incapacidade de dirigir) levaram empreendimentos promissores a fracassos totais. Além disso, por conseqüência da divisão do trabalho, o ser humano já não sente mais a mesma razão de trabalhar que antigamente [suponhamos que o autor se refira à época das manufaturas] era a satisfação de admirar obras criadas pelas próprias mãos. O estímulo de outrora não pode mais ser o estímulo de hoje em dia; diante da monotonia do trabalha sem objetivo aparente, o homem está se tornando cada vez mais peça de engrenagem, autômato, escravo”[8] (os comentários entre colchetes são nossos). Perceba o quanto Chaplin é visionário nesse sentido e o quanto as questões levantadas pelo cineasta são atuais.
A QUESTÃO DO SER HUMANO
Acerca da concepção de ser humano em “Tempos Modernos”, há muito que se comentar.
A segunda cena do filme, logo após o relógio, mostra-se um rebanho de ovelhas, sendo conduzidas ao abatedouro; em seguida, um grupo de pessoas indo ao trabalho nas fábricas.
Há muitas questões aqui.
A primeira delas é que a ovelha era o símbolo da Primeira Revolução Industrial ou Inglesa, centrada na indústria têxtil. No filme, essa imagem é sucedida pela dos operários indo à fábrica para iniciar a jornada de trabalho: isso pode representar as mudanças ocorridas entre a Primeira e a Segunda Revolução industrial. O professor de História Econômica da USP, Cyro de Barros, assim as enumera (os comentários entre colchetes são nossos): “dos produtos dominantes durante a Revolução Industrial Inglesa, apenas a estrada de ferro continuou recebendo um notável impulso, ampliando continuamente. O ferro deixou de ser um produto industrializado, para se transformar em matéria-prima para o aço [e justamente, no filme de Chaplin, trata-se de uma produtora de aço, a “Electro Steel Corp”]. O vapor de água foi substituído pela eletricidade e pelo petróleo, como fonte de energia. A indústria química permitiu a crescente independência industrial das matérias-primas naturais. A fábrica conheceu seu apogeu com a introdução da linha de produção [como Chaplin bem representa na esteira]. O capital concentrou-se em escala jamais imaginada. A ciência tornou-se matéria auxiliar da técnica [o maquinário, as câmaras filmadoras, a “auto-alimentadora Bellows” ilustram isso]. E a administração dos negócios adquiriu um caráter científico”[9][com Taylon e Fayol].
A analogia entre operários e ovelhas sugere a negação do estatuto de pessoa, “a sociedade trata o ser humano como animais”[10], ou seja, como irracionais que devem ser “adestrado”, “domesticado”, “treinado” para obter o máximo de eficiência no menor tempo possível. Isso implica na limitação do pensamento, das ações, da criatividade, da reflexão, da voz...
Exatamente criticando essa postura, Mathew Kelly escreveu: “toda empresa inventa um nome para os funcionários: associados, membros da tripulação, parceiros, parte do elenco. Aqui os chamamos de membros da equipe. Em outros lugares são chamados apenas de empregados. O principal é que já não nos lembramos de que, acima de tudo, eles são seres humanos”[11]. Mais do que um elemento do passado remoto, essa atitude ainda está presente em muito dos nossos relacionamentos, quer no ambiente de trabalho quer na vida pessoal: às vezes, esquece-se de que o outro é um outro “eu” e, simplesmente, instrumentaliza-se as relações.


[1] HUBERMAN, Leo. História da Riqueza do Homem. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos S.A., 1986 (21ª Ed.) p. 163.
[2] Ibidem.
[3] Idem, p. 164.
[4] WEIL, Pierre & TOMPAKOW, Roland. Relações Humanas na Família e no Trabalho. Rio de Janeiro: Vozes, 2005 (53ª Ed.) p. 29.
[5] BAZIN, André. Charlie Chaplin. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1972 p.26.
[6] De acordo com o documentário, de Philippe Truffault, “Chaplin Today – Tempos Modernos” (Warner Bros, 2009).
[7] WEIL, Pierre & TOMPAKOW, Roland. Relações Humanas na Família e no Trabalho. Rio de Janeiro: Vozes, 2005 (53ª Ed.) p. 9 – prefácio à 53ª edição.
[8] Idem, p. 22.
[9] BARRO, Cyro de. São Paulo: Contexto, 2001 p. 145.
[10] Tempos Modernos – um tratado de Sociologia. Extraído do site: http://pt.shvoong.com/social-sciences/sociology/795932-tempos-modernos-um-tratado-sociologia/ (acesso dia 28/07/2009)
[11] KELLY, Mathew. O Administrador de Sonhos. Rio de Janeiro: Sextante, 2008 p. 36.

Analisando Diabo veste Prada e Tempos Modernos


O SER HUMANO DESPROVIDO DA VOZ

Observe que nenhum dos personagens fala no filme, senão através das máquinas: o inventor da auto-alimentadora, por meio do gramofone, o presidente da Electro Steel Corp., através dos alto-falantes, e locutor de rádio. Os diálogos entre personagens são “mudos” ou realizados através da técnica cinematográfica de “entre-títulos”.
Em 1936, já fazia dez anos da existência do cinema falado, entretanto, Chaplin optou por não usar esse recurso, talvez para ressaltar a privação dos sujeitos. Somente, Carlitos, em sua apresentação no Café, põe-se a cantar, em uma língua ininteligível, demonstrando, simbolicamente, a incompreensão que existe entre os desejos e direitos dos trabalhadores e os objetivos dos patrões (ou classe burguesa). A ausência de fala ou, melhor dizendo, a privação do direito de voz dos personagens representaria a resistência da burguesia em atender as reivindicações da classe operária. Privar o outro do direito da expressar-se é também uma forma de coisificar o ser humano. Diria um sociólogo: “o que torna o homem humano é básica e decididamente, a palavra, a linguagem”[1]. Um teólogo falaria, em sua linguagem mais poética que: “Com o seu respirar, o homem é ser vivo; com o seu caminhar, é ser móvel; com o seu bater, é ser forte. Apenas com sua palavra, sobretudo, aquela dirigida ao outro, o homem se torna ser pessoal, inteiramente homem”[2]. E o psicólogo Pierre Weil escreve que “a linguagem é o instrumento essencial das relações humanas”[3], ora, sem linguagem, é mais fácil instrumentalizar as relações.
Note que Miranda é uma chefa inflexível e autoritária que não respeita a opinião do outro. Observe também que as repressões às greves e manifestação populares, em “Tempos Modernos”, simboliza a idéia da massa impedida de reivindicar seus direitos, impedida de se expressar.

O SER HUMANO SEM NOME

Outro aspecto que retrata essa ideologia da coisificação do ser humano é o fato de que a maioria dos personagens não terem nome, inclusive o próprio Chaplin (sabemos que ele interpreta Carlitos porque este personagem já aparecera em outros filmes, mas em “Tempos Modernos” o narrador se refere a ele como “o nosso herói” e o xerife Couler o chama, simplesmente, de “número sete”) e a personagem de Paulette Goddard (denominada apenas de “a órfã” ou “a garota”). É como se tais personagens não tivessem identidade, não fossem ninguém, apenas mais um na multidão (como ovelhas entre o rebanho, para retomarmos a imagem inicial do filme). Somente um personagem do povo é denominado na trama: Big Bill – operário que trabalhava ao lado de Carlitos na fábrica. Mas, ele só recebe um nome quando num ato de rebeldia: ao tentar roubar a loja de departamentos, onde seu ex-companheiro trabalhava como vigia noturno. Entretanto, devemos observar que Big Bill só recebe um nome em relação a Carlitos (um de seus iguais, de sua classe operária, que se encontra na mesma situação), não em relação a seus superiores.
O mesmo desprezo com relação ao nome e/ou a identidade pessoal, observamos em “O Diabo Veste Prada”. Miranda, editora-chefe da conceituada revista de moda Runway, inicialmente, só chamava Andréia Sachs, sua segunda secretária, de “Emily” (no nome da primeira). Isso ilustra a indiferença que a chefa tem para com sua subalterna: não importa como ela se chame, o importante é que faça o que se pede! À medida que Andréia vai demonstrando sua competência na excussão das tarefas, Miranda passa a chamá-la de Andréia (nunca, porém, de Andy – mantendo assim a distância social entre ambas). A protagonista ficou tão maravilhada com o fato que exclamou: “ela me chamou de Andréia, não foi de Emily! Isso significa que fiz alguma coisa certa!” Em outras palavras, quer dizer que ela havia deixado de ser qualquer uma para se destacar em sua função.

A MULHER NO MERCADO DE TRABALHO

Ainda falando algo mais sobre a cena inicial das ovelhas em “Tempos Modernos”, parece legítimo compará-la com a cena inicial de “O Diabo Veste Prada”, na qual várias mulheres se arrumam para ir ao emprego. Se naquele são todos homens, trajando chapéus, ternos e gravatas praticamente iguais, neste, são todas mulheres, com estilos diferentes, roupas diferentes, pegando conduções diferentes para ir ao trabalho (uma vai de metrô, outra de táxi, outra ainda de carro próprio). Isso se dá porque os tempos são outros, enquanto na obra chapliniana que estamos analisando visava-se a padronização, no outro trailer é exatamente o oposto: prima-se pelo individualismo, o específico, o original (e a temática da moda significa exatamente isso: “o acessório é uma peça iconográfica, usada para expressar individualidade”, diz Doug, um dos amigos de Andréia). Há o contraste entre o modo comum de Andréia se vestir com o clamour e elegância das demais, há preocupação com o visual e a estética.
A cena inicial de “O Diabo Veste Prada” retrata a inserção da mulher no mercado de trabalho, temática que no filme de Chaplin trata um pouco também. Enquanto que neste “a entrada da mulher no mercado de trabalho é pela porta dos fundos, com um sub-emprego”[4], como dançarina em um Café, naquele vemos as mulheres em diversas profissões: Lili, amiga de Andréia, trabalha numa galeria de arte, a própria Andréia é jornalista de formação, mas trabalha como secretária, na Runway, onde trabalha há modelos e a editora-chefe da revista é uma mulher (o cargo de liderança exercido por mulheres era algo muito raro em 1936, mas, hoje cada vez mais normal). Se “O Diabo Veste Prada” não insiste na questão, dando outros exemplos, é porque é de conhecimento comum as conquistas das mulheres no mercado atual.
Contudo, devemos frisar que ainda a mulher, na maioria das vezes, ganha menos que o homem (mesmo desempenhando função semelhante) e trabalha mais (chamada “jornada dupla”).
Embora, a mulher encontre-se inserida há muito no mercado de trabalho, o preconceito ainda existe. Um diálogo entre Andréia e Christian Thompson referindo-se a sua chefa Miranda sugere isso: “ela é difícil, mas se ela fosse um homem, todos diriam que ela é ótima no que faz”.
Ao mesmo tempo, “O Diabo Veste Prada” mostra a inversão de papéis. As profissões tipicamente femininas vão ser ocupadas por homens: Nigel é desinger de moda da Runway, James Holt é estilista, Nate, namorado de Andy, é cozinheiro.

REBELDIA, SUBMISSÃO E CONTROLE

Resta-nos fazer uma última observação sobre a cena das ovelhas de “Tempos Modernos”: no meio do rebanho totalmente branco, existe apenas uma ovelha negra – é Carlitos ali representado. Em verdade, ele não se enquadra no perfil típico exigido pelo capitalismo: não é uma ovelha dócil, domesticável e nem produtiva, pois arranja confusão no ambiente de trabalho e também com o companheiro de cela da prisão, desrespeita as autoridades e as hierarquias – não possuía competência interpessoal. E, em um mundo cada vez mais marcado pelo controle, cada desvio deve ser devidamente punido: os colegas de trabalho perseguem Carlitos, a polícia e a instituição psiquiátrica funcionam com agentes reguladores – é preciso eliminar, excluir ou reajustar os elementos que se desviam do padrão, estes são tidos como loucos, agitadores, vagabundos. Mera injustiça social: nem Carlitos, nem “a garota” tiveram culpa pelos “crimes” dos quais foram acusados!
Acerca do controle acrescentemos mais algumas palavras. Em “Tempos Modernos”, o personagem de Chaplin era controlado pelo contra-mestre de produção na fábrica que, ao nosso ver, não tinha uma postura adequada para lidar com as pessoas. Temos o cartão de ponto para marcar e controlar cada saída do setor. A preocupação em acompanhar todo o desempenho do funcionário dentro da empresa se faz claríssimo com a idéia do sistema de filmagem da linha de produção dos corredores e até mesmo dos banheiros, tornando mais difícil a vida de quem queria matar o tempo, já que as imagens apareciam na sala do próprio chefe que imediatamente chamava a atenção do funcionário espertinho.
Há uma relação entre o controle rígido das fábricas e o sistema militar. Em “Tempos Modernos” isso fica claro pela analogia que se faz entre o apito da fábrica chamando os funcionários ao trabalho e o apito do policial na cadeia comandando os presos.
Em “O Diabo Veste Prada”, Miranda fazia questão de acompanhar os ensaios fotográficos de perto, ver os desenhos dos estilistas e suas roupas antes da publicação. E ainda contava com mais duas formas de controle da produção: o Livro (no qual toda noite fazia suas anotações para serem corrigidas no dia seguinte pelo seu pessoal) e o celular.
Mas, ao mesmo tempo, esse ato de “rebeldia” é aquilo que os torna humanos. O próprio Charles Chaplin chegou a comentar sobre os protagonistas de “Tempos Modernos”: “não são rebeldes ou vítimas, senão dois seres vivos num mundo de autômatos. Duas crianças sem sentido da responsabilidade, enquanto o resto das pessoas suporta o peso do dever. Somos moralmente livres”[5].
Também constitui ato de “rebeldia” ao processo de coisificação o amor e a solidariedade entre Carlitos e a Garota. Isso prova que eles não são “parte da engrenagem”, nem são “ovelhas”, mas são seres humanos, com necessidades reais, sonhos, medos, preocupações e também habilidades e talentos.
O Carlitos deslocado de determinado grupo social, não é muito diferente de Andréia Sachs. São pessoas que pertencem há um lugar social diferente dos quais são obrigados a estarem.
“A formação de um grupo para realizar trabalho coletivo obedece a leis psicossociais, que determinam regras a serem seguidas”[6], a desobediência a elas resulta nos mais variados tipos de sanções normalizadoras. Para citar exemplos em “O Diabo Veste Prada”: Andréia não foi bem aceita, inicialmente, pelas pessoas da Runway porque seu modo de se vestir não fazia parte dos padrões de beleza de seus futuros colegas de trabalho. Ao primeiro contato que Emily teve com Andréia, aquela exclamou: “O Departamento Pessoal não tem mesmo senso de humor!” – ironizando a forma como Andy se vestia. Na mesma seqüência, diz Emily a Andréia: “Para trabalhar aqui, você tem que gostar de moda”. Enumeremos também o estranhamento de Nigel ao vê-la, o olhar fulminantemente reprovador da editora-chefe, Miranda, sobre as roupas de sua segunda assistente e as caçoadas entre Serena e Emily sobre a saia da colega.
Nessas situações ou a pessoa evita qualquer contato com tal grupo (ou o grupo com a pessoa) ou aquele indivíduo adere às normas do grupo e, assim, vai sendo aos poucos acolhida. Foi isso que Andréia fez: mudou sua maneira de se vestir e passou a entender mais de moda – decisão diferente da que tomou o personagem chapliniano –embora, este tenha sido submetido como cobaia para o teste da máquina auto-alimentadora e passado por transtornos e humilhações perante os demais colegas de trabalho.
As pessoas correm o risco de perderem sua identidade, sua individualidade, mudando seus valores para adaptar-se ao meio, adquirindo outros valores. A mudança de comportamento de Andréia, causou certa rejeição por parte de seu grupo de amigos, a tal ponto de Lili dizer para ela: “essa Andréia eu não conheço!”
Uma grande diferença entre os dois filmes é que no primeiro, eram freqüentes as greves em busca de melhores condições de trabalho e de salários, enquanto no segundo filme, as pessoas ficavam submissas, sentindo-se impotentes, e acabam por abdicar da vida pessoal, da família, amigos, gostos e valores pessoais para se dedicarem ao trabalho, à espera de recompensa que nem sempre vê, mas que apesar disso, seguem com sorrisos falsos nos rostos e continuam a viver suas frustrações pessoais e acomodam-se com a situação.
Na maioria das vezes, Andréia apresentava um comportamento passivo: não conseguia manifestar o que pensava e acabava por aceitar a invasão pessoal e sua própria anulação para viver em função das ordens de Miranda. Ela atendia com muita presteza e agilidade tudo o que sua chefa exigia, inclusive as coisas mais absurdas que ultrapassavam suas atribuições dentro da empresa: comprar pranchas de surf, chinelos para as filhas de Miranda, buscar a seu cachorro de estimação no pet shop (detalhe: era um São Bernardo enorme!), conseguir o manuscrito original de um dos livros do Harry Porter, realizar o trabalho escolar das filhas da chefa.
Seu ato de “rebeldia” foi ter largado o emprego para não se tornar semelhante a sua chefa. Mas, fê-lo de forma pacífica, sem gerar conflitos. Já Carlitos...

SOLIDARIEDADE COMO FATOR HUMANIZANTE

Em meio a tantas situações desumanizantes que procuravam tratar o ser humano como coisa ou simples instrumento para realizar determinada função, os laços de solidariedade firmados entre os personagens de ambos os filmes demonstram que eles não são máquinas, mas pessoas.
Carlitos quis assumir o lugar da Garota no episódio do furto. Esta o retribui ajudando-lhe a fugir na sena subseqüente da viatura. O amor e o cuidado (quase paternal, assim poderíamos dizer) que um tem pelo outro trazem um pouco de docilidade à trama. A Órfã consegue-lhe emprego, por duas vezes: na primeira, sugere que ele procure a vaga disponível de guarda noturno na loja de departamentos (e o personagem de Chaplin lhe retribui, dando um lugar para dormir e comida na loja) e outra no Café como garçom e cantor. Chaplin o livra de ser presa por quatro vezes: no roubo do pão, na cena da viatura, na da loja de departamentos e no Café. Se a garota espera por ele sair da prisão em duas ocasiões (após o episódio da loja de departamentos e depois do incidente da greve). Carlitos é também aquele que a consola nos momentos de desânimo como, por exemplo, no final do filme.
Já em “O Diabo Veste Prada”, Andy se destaca por seu grande senso de solidariedade. Chegou mais cedo ao trabalho, quando sua colega estava gripada. Auxiliou Emily a lembrar os nomes dos convidados da festa, quando ela o havia esquecido. Foi visitá-la no hospital por ocasião do acidente. E, como forma de agrado, doou a sua colega todas as roupas que havia ganhado em Paris, pois Andréia sabia o quanto isso era importante para Emily.
Porém, Andréia também contou com a ajuda de Nigel que lhe ensinou a se vestir e a observar as coisas conforme a vontade de Miranda. Mais que simplesmente ensinar a se vestir, ele estava ensinando Andy a “vestir a camisa da empresa”, a filosofia de trabalho da Runway – o que era para ter sido feito logo no primeiro dia de trabalho! (nesse ponto, mais uma vez, Andréia e Carlitos se aproximam: que treinamento receberam para exercerem suas funções?).


[1] JÚNIOR, João Francisco Duarte. O que é a realidade. São Paulo: Brasiliense, 2002 (10ª ed.; 4ª reimpr.) p. 18.
[2] MANNUCCI, Valério. Bíblia: Palavra de Deus. São Paulo: Paulinas, 1985 (2ª ed.)p.13
[3] WEIL, Pierre & TOMPAKOW, Roland. Relações Humanas na Família e no Trabalho. Rio de Janeiro: Vozes, 2005 (53ª Ed.) p. 57.
[4] Tempos Modernos – um tratado de Sociologia. Extraído do site: http://pt.shvoong.com/social-sciences/sociology/795932-tempos-modernos-um-tratado-sociologia/ (acesso dia 28/07/2009).
[5] De acordo com o documentário, de Philippe Truffault, “Chaplin Today – Tempos Modernos” (Warner Bros, 2009).
[6] WEIL, Pierre & TOMPAKOW, Roland. Relações Humanas na Família e no Trabalho. Rio de Janeiro: Vozes, 2005 (53ª Ed.) pp. 16-17.