quinta-feira, 12 de julho de 2012

Visão de um cachorro...



Não entendo por que agora minha dona corre atrás de mim o tempo todo. Tem algo de errado, só pode ser. Desde de quinta-feira ela não me deixar em paz.

 Tudo bem, eu sei, eu era quem fazia isso, mas agora não... Agora é ela, se quero ir para um canto, lá está ela atrás de mim. É vinte quatro horas no meu pé. Definitivamente tem algo errado.


Não posso mais descer minha escada livremente como fazia todas as manhãs. Agora ela levanta primeiro do que eu, me põe no colo e lá vamos nós duas descendo as escadas. Ela morrendo de medo de me derrubar e eu me perguntando por que não posso descer sozinha. Eu era tão independente para subir e descer aquelas escadas.


Sinto falta de correr para o quintal toda vez que precisava pegar um solzinho, ou até mesmo fazer as minhas necessidades. Mas agora, se levanto do meu canto, lá tá a minha dona de “orelha em pé”. Ah como faz falta minha liberdade. Cadê meu direito de ir e vim? Cadê?


Não estou reclamando não. Eu até gosto dessa atenção todo. Mas sei que tem algo de errado. Por que as coisas não estão na ordem certa. A cachorra aqui sou eu. Sou eu quem devo correr o tempo todo atrás da minha dona e não o contrário.


Será que fiz algo de errado? Será que minha dona está com crise de identidade?


Será que ela descobriu que fiz xixi no quarto da minha avó? Será?


Ora bolas, aquele quarto grandão, sem ninguém usar, é um desperdício. Uma cama tão macia sem ninguém subir em cima, é maldade.  Admito que todas as vezes que entro lá naquele quarto, me jogo naquela cama, passo meu cheiro para ela e como ninguém dorme nela mesmo, carimbo-a com o meu jato super potente de urina. É tão bom saber que aquele pedaço ali pertence a mim e a nem um outro cachorro.


Mas acho que não foi isso não. Tem algo a ver com moça simpática que cuida de mim.


Ela é tão boazinha. Mas tem hora que eu não gosto de ir lá visitar ela não. As vezes ela quer tira meu sangue, passar um gel frio na minha barriguinha e uma maquina esquisita para raspar minha barriga, que por sinal ta até careca agora. Essa parte eu não gosto mesmo... O que os meus amigos da rua vão dizer quando me vê com a barriga do lado de fora. Isso não combina comigo não, sou cachorra de família, uma senhora já.


Mas voltando a moça simpática que cuida de mim. Dessa vezes ela chamou outra moça simpática para brincar comigo. Essa moça raspou minha barriguinha, passou um gel frio que só e usou um instrumento para apertar minha barriga que até agora to sentindo a dor. Num sei o que era aquilo não, mas é melhor do que quando a outra moça simpática quer aplica aquele negocio ruim que dói no meu bumbum. Acho que os humanos chamam aquilo de injeção e de termômetro.


Acho que tem a ver com o fato deu ter me sentido mau. Eu juro que não foi por que quis. Nem comi besteira por ai. Eu juro... Não sei o que aconteceu... de repente me deu um mau estar, uma dor forte na barriga, um frio que nem o ar condicionado do quarto da minha mãe consegui ser igual.


Ai fiquei jururu, como diz minha dona.


Ela correu comigo na moça simpática vestida de branco que mora aqui do lado. Eu vou sempre lá para tomar banho, mas dessa vez eu tava doentinha mesmo. Não era possível que minha dona ia mandar me banhar. Juro que tava sentindo uma dor forte na barriga, uma moleza, um frio danado.
Fizeram alguns exames em mim. A moça simpática conversou com a minha mãe e percebi um ar de preocupação vindo da voz da minha mãe.


Ouvi minha dona chorar. Nunca tinha visto ela tão desesperada assim. Era um choro tão penoso. Parecia que alguém tinha morrido, ou tava para morrer. Ouvi quando ela disse para minha vó que não ia desistir assim sem lutar.


Sei que minha avó foi contra. Dizia para minha mãe que tava na hora dela se conformar que eu estava velhinha, que um dia eu teria que partir. Minha dona com voz forte disse: “Eu não vou deixá-la morrer sem fazer tudo o que puder por ela. A senhora não entender, ela é a parte mais bela da minha vida!”.


Quem ia morrer? Quem era a parte mais bela da vida da minha dona? Eu sempre achei que era eu. Por que ninguém me dizia nada? Por que essa dor não passava? Do que ela tava falando? Por que esse choro todo?


Sei que minha dona sumiu por uns instantes. Quando voltou comunicou que seria as oito da manhã. O que seria as oito da manhã? O que?


Ninguém me explicava nada. Em geral minha dona senta comigo e me conta o que se passa com ela. Mas dessa vez ela não falou nada.


Quando foi a noitinha o tio, que é o irmão da minha dona, saiu. Ai ela aproveitou para sentar na varanda do quarto dele. Ela sempre faz isso quando está sofrendo com alguma coisa. Em geral é lá que ela me explica o que tá acontecendo.


Ela pegou aquele velho lençol azul, colocou no chão lá da varanda, sentou, me cobriu e danou a chorar. Ora dizia pra si mesma que era a melhor coisa a fazer. Ora dizia que jamais desistiria de mim assim sem tentar tudo.


Chegou a rezar baixinho e no meio de lagrimas doloridas falava que não estava pronta para ficar sozinha. Mas eu estava ali com ela... não ia deixá-la sozinha. Será que ela podia esperar só um pouquinho enquanto a minha dor passava? Eu não vou a lugar nenhum sem ela.


Foi então que eu entendi...


Ela sentou do meu lado antes de dormir. Começou a alisar minha cabecinha, bem no cantinho da orelha. Adoro quando ela faz isso! Ai começou a me contar o que houve.


Disse que eu tava doentinha, que a moça simpática daqui do lado tinha descoberto que eu tinha uma infecção grave no meu útero, que teria que me operar urgente, que seria amanhã as oito da manhã. Chorou dizendo que não ia deixar que eu a deixasse sem tentar de tudo. Pediu que eu a desculpasse se estivesse fazendo algo errado, mas que não estava pronta para me deixar, que ela não podia viver sem mim. Foi então que ela se calou, chorando baixinho se deitou no chão, com a cabeça bem juntinho de mim.


Eu tava sentindo tanta dor, mas minha dona precisava de mim. Lambi seu rosto para dizer que estava tudo bem, que eu ia ficar bem. Que não vou deixá-la. Eu jamais vou deixá-la.


Acabamos por dormir assim. Sei que deve ter sido muito incomodo para minha dona dormir ali no chão, mas ela dormiu e algumas vezes ouvi seu soluço quebrando o silencio do quarto.


De manhã cedinho lá tava ela, se arrumando, calçando o tênis que tantas vezes eu a vi calçar pra ir pra faculdade. Mais tava tão cedo para ela sair. Ela sentou na cama tão tristonha, quase chorando, disse para minha avó que tinha rezado para todos os Santos para cuidar de mim. Nunca tinha visto minha dona daquele jeito.


Meu tio também acordou cedo. Brincou um pedacinho comigo e colocou minha coleira em mim. Não entendi bem o porque da coleira, já que era cedo demais para tomar banho e quando fico em casa não uso aquele troço no pescoço. Estranhei mais ainda quando ele me levou para passear no jardim. Ora bolas, eu sempre passeie no jardim sem coleira. Qual era o problema?


Foi então que vi. Minha dona estava arrumada, meu tio também. Ele esquentava o carro. Minha dona falava para vovó que voltaria assim que tudo acabasse e que tudo daria certo. Abriu a porta do carro, onde eu corri e saltei pra dentro. Ela riu, como sempre fazia. Mas tinha algo errado naquele sorriso.


Lembro que antigamente, antes da moça simpática se mudar para casa ao lado, que todas as vezes que eu ia tomar banho o tio me colocava no carro para passear com eles. Era tão gostoso ver o movimento lá fora. E o vento no rosto.


Será que eu ia tomar banho? Será que minha dona ainda não percebeu que eu to sentindo dor?
Andamos um pouco... minha dona comigo no colo. Sempre brincando comigo e me mostrando a rua que passava pela janela. Tinha tristeza na fala dela. Foi quando paramos num lugar que eu nunca tinha visto antes. Mas cheirava a cachorro. Entramos, esperamos um monte. Eu doida para fazer amizade, mas minha dona me segurava com tanto carinho que não quis tirar dela aquele prazer.


Foi quando vi a moça simpática que mora aqui do lado. Ela passou por nós e mandou que minha dona se despedisse, pois já ia mandar alguém vim me buscar. Que história de alguém vim me buscar? Sem minha dona eu não vou pra lugar nenhum. Bem que eu tentei, mas o moço grande era mais forte do que eu.


Minha dona me deu um beijo no meio das minhas orelhas e lá fui eu. A moça simpática não tava sozinha. Além do rapaz grandão tinha um outro que queria ver a minha patinha. Odeio que mexam na minha patinha, única pessoa que faz isso é minha dona.  Mas assim mesmo ele mexeu.


Não sei o que aconteceu. Acho que dormir ou coisa parecida. Quando acordei vi minha dona alisando minha patinha, como ela sempre faz antes de me colocar para dormir. Nunca fiquei tão feliz em vê-la como fiquei naquela hora. Queria levantar mais algo me impedia. Queria lambê-la mais minha língua tava tão mole que nem cabia direito na minha boca. Mas eu a ouvia, a sentia me tocando e percebia que tava feliz em me vê.


Ela ficou ali comigo por horas e horas. Cada pessoa que passava dizia pra ela sentar e ela dizia que em pé dava melhor para me acalmar. Na voz dela senti alivio, mas ainda não conseguia mostrar que estava bem.


Aos pouquinhos fui recuperando os sentidos e mostrando para minha dona que estava bem. Ela riu quando falou para mim que tava na hora de acorda e voltarmos para casa antes que o Louro ocupasse meu lugar. Quando ouvi o nome do fedorento do Louro, levantei a cabeça com tudo, como se falasse que meu lugar aquele troço não toma não.


Como é bom ouvi aquela risada!


A vovó também foi me vê. Acabei dormindo nos braços da vovó enquanto minha dona foi comer alguma coisa. Depois me vestiram uma roupa esquisita, que não me deixa lamber a minha barriguinha. Acho que minha mãe percebeu que não gosto de fica de barriga de fora. E a dor que eu sentia passou.


Só sentia um mau estar grande, um fome enorme e uma vontade de ir no banheiro terrível. Mas não era um banheiro qualquer, era o banheiro da minha casa, o meu quintal.


Saímos lá do local cheio de cachorro e viemos de carro para casa. A viagem não foi tão animada assim. Eu tava no colo da minha dona, mas o sono tava tão grande. Ela tava tão aliviada que nem parecia a chorona de ontem a noite.


Fiz meu pipi quando cheguei em casa, comi uma sopinha esperta, bebi uma água de coco e ganhei um lugar novo para dormir. Isso aumentou ainda mais a minha suspeita de que tem algo errado. Ninguém nunca deixou que eu ficasse na cama lá de baixo mais do que cinco minutos. E dessa vez passei a tarde inteira. Dormi e tudo mais.


Como falei a dor passou. O que sinto agora é só mau estar mesmo e o incomodo de não mais poder correr pro meu quintal sem ter minha dona do lado. Mas quer mesmo saber, até que estou gostando de vê minha dona correndo feito louca atrás de mim, mas feliz da vida. Senti falta desse sorriso o tempo todo.


No mais, a vida de cadela segui em paz.

P.S: A Branquela se operou na sexta-feira com Piometra Aberta, que uma infecção no útero. Ela passou por uma cirurgia de emergência para a castração e o combate da infecção. Minha menina, agora está sobre cuidados 24h e se recuperando aos poucos. Deu alguns sustos em mim e na Dr. Juliana, mas no mais ela vai fica bem.


Minha menina é uma guerreira, que me ensina a nunca desistir. A amo como todas as minhas forças e sei que do mesmo modo ela também me ama. Algumas pessoas não entenderam nunca o amor que sinto por ela. A essas pessoas, o que tenho a dizer é que não precisam amar a minha Branquela, mas precisando apenas respeitar o meu amor por ela.


Peço que Papai do Céu cuide dela e cuide de todos os que protegem os animais. Que São Lazaro olhe com carinho por todos os veterinários que a Branquela passou nesses dias e que ilumine sempre o caminho deles.


A todos que rezaram junto comigo para minha pequena volta inteira para casa, meu muito obrigada e tenha certeza que Deus vai cuidar direitinho de vocês. Contem comigo para o que precisarem. Obrigada!


A você minha pequena... por favor não me prega outro susto desses, ta? É bom ver que aos poucos você começa a se recuperar e mil perdões, mas os papéis vão ficar investidos até você ter alta. Te amo demais.

Nenhum comentário:

Postar um comentário